domingo, 22 de fevereiro de 2009

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quem disse que era alguma coisa sair de casa ouvindo
essas músicas e correndo quarenta e cinco putos
minutos como se fosse grande coisa, chegar em casa
tomando litros de água e comendo abóbora. abóbora?!


pelamor, procurando aquela cartilha 'como ser sociável
no carnaval em 10 passos- sem se irritar ou ficar em pé
num canto segurando sua bebida'.
you know, socializar,
preciso sair de casa, minhas costas estão chateadas. é.

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são momentos em que o ar que falta não importa,
é sufocante, mas não importa e quando ele volta
enchendo tanto os pulmões que você pensa 'então
é assim que deve ser respirar sempre'. e na saída
você aprende a abrir janelas e sentir-se mais íntimo,
querendo falar sobre o trabalho ou coisas talvez
mais sentimentais; mas o que acontece é o silêncio,
ler frases pintadas em muros 'o whisky é o cão
danado', haha, é o cão danado. diziam que um filósofo
famoso não saía de casa no inverno porque achava
que respirar pela boca era a causa de todas as
doenças. não que isso importe, mas tudo era como
algumas visões que eu tinha anos atrás: de alguém
estar comigo.

mas pode dizer 'como eu adoro kings of leon' e ver
meus olhos brilhando de admiração, suspirar barba
que esqueci de fazer. não quero ir pra alguém me ver,
só pra parar de colocar tantas vírgulas num domingo.
por isso saí no sol tentando colocar um pouco de
quarta-feira nessa tarde tão Damien, tão Ok computer. e
entendi aquilo tudo que assisti, cada segundo, pois não
importa estar tão à vontade com a situação: primeiro
sou eu e depois é você e a segunda ação é um espelho
da primeira e eu aprendi o que prefiro ser a partir de
agora, sem que ninguém imponha alguma coisa. então
comprei aquele button do the kooks e parei de pensar
em música, mas desisti também de sair e tirar algumas
fotografias, sabe, girassóis são tão engraçados e eu
aqui fazendo mosaicos de imãs nessa placa riscada.


a vida não é apagável, pensei. Nem volta atrás.

Caio Fernando Abreu

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dessa vez a parede era lilás, com aquelas texturas de
parede, aqueles vincos de massa grudada que parecem
água seca escorrendo por um vidro na casa de um tio
falido. e como você sabe que os campos são tão bonitos?
se interessa pelas televisões alheias e cargos dissimulados
num oásis onde só faz chover. não quero me consumir
pelos dias que gastei pintando ou esfregando carvões
em papel inutilmente. eu olho pro lado e me sinto tão no meio.
e a confusão em mim é tão. eu nunca sei, eu olho surpreso,
sinto surpreso e cada dia é mais silencio e menos
exatidão. existiu um fio de água seca escorrendo pelos
vidros do meu sentimento falido e.. eu achei que era só
isso, que não devia falar mais. tempo não basta ao sono.
metal não basta às alturas, porque essas músicas jamais
farão sentido ou me alcançarão em tal escuridão. não é
selvagem: só é sem ninguém. sem nenhum de nós dois
devia estar feliz em estar ali. mesmo que estivesse: não
devia estar. estávamos, mas não felizes, ok, satisfeitos
também, entao. eu reclamo
demais, sei. mas eu faço
contas e acabo esquec ido/endo.
sempre esquec ido/endo.
sempre mal entendido/quisto (?) e







No chão estava o pinto morto. Ofélia! chamei num impulso
pela menina fugida.
A uma distância infinita eu via o chão. Ofélia, tentei eu
inutilmente atingir a distancia o coraçao da menina calada.
Oh, não se assute muito! às vezes a gente mata por amor,
mas juro que um dia a gente esquece, juro! a gente não ama
bem, ouça, repeti como se pudesse alcançá-la antes, que,
desistindo de servir ao verdadeiro, ela fosse altivamente
servir ao nada. Eu que não me lembrara de lhe avisar que
sem o medo havia o mundo. Mas juro que isso é a respiração.
Eu estava muito cansada, sentei-me no banco da cozinha.

Clarice (L)ispector, A legião estrangeira.

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e você que fica por aí tão Ofélia, personagem que mais
tive medo até hoje. porque conheço seus momentos de
sabedoria altiva, mas nao me conformo com invejas
morrendo no chão da cozinha. como Ofélia você entra,
senta: - Sou eu, Ofélia Maria dos Santos Aguiar. e como
sua voz decidida a opinar sobre tudo - assim com a tal
menina tão perversa - começa a fazer com que desista.

seus pés tremem e quero pará-los. me chateiam. me
irritam tanto quanto seus conselhos tão exatos que
penso de onde veio tal exatidão em crítica. mas mãe
não pensa antes de falar, é tão exata quanto não é
cega. enxerga tudo. é tão doce e tão perversa que
desaba o mundo em minha testa e me acorda com
cheiro de café, com cheiro de domingo as onze da
manhã. ela não vê as cicatrizes em minha testa, porque
também é cega - sempre que quer.
é tão Ofélia Maria dos Santos Aguiar, tão pequena
distraída, conselheira magoada, acoada por um pinto
na cozinha, tão amargurada com o pinto que não pode
ser seu que o mata silenciosamente e, desta vez,
sem extidão e sem falar do amor ao filho ou da duração
de legumes da ultima feira. e você que prefere o silencio
que dura tanto, balança o pé, contempla o vazio, mas
não me entra que escolhe tão pouco pra não me deixar.
eu estou, ela está. fico porque quero. não, porque não
tenho aonde ir. e então, segundo clarice:


- é um pinto?
- é um pinto, sim.
- um pintinho? certificou-se em dúvida.
- um pintinho, sim, disse eu guiando-a com cuidado
para a vida.
- ah, um pintinho, disse meditando.
- um pintinho, disse eu sem brutalizá-la.
Já há alguns minutos eu me achava diante de uma criança.
fizera-se a metamorfose.
- ele está na cozinha.
- na cozinha? repetiu fazendo-se de desentendida.
- na cozinha, repeti pela primeira vez autoritária, sem
acrescentar nada.
- ah, na cozinha, disse Ofélia muito fingida, e olhou para
o teto.
Mas ela sofria. com alguma vergonha notei afinal que estava
me vingando. A outra sofria, fingia, olhava para o teto.
A boca,
as olheiras.
- você pode ir pra cozinha brincar com o pintinho.
- eu...? perguntou sonsa.
- mas só se você quiser.

(C)larice Lispector, A legião estrangeira.